Será mesmo apenas questão de gosto?

Mah / 16 abr,2018 /ETC

“Nossa, que legal! Posso colocar a mão?”
Não, não pode. Meu cabelo não tem nada de diferente (além da cor rs)
“Ele é macio?”
Sim! Como qualquer outro cabelo bem cuidado
“Nossa, mas como você lava?”
Com shampoo, assim como você.

Minhas respostas soaram agressivas? Pois acreditem fui o mais simpática que consigo ser quando qualquer um destes episódios acontece comigo na rua. Assumir o cabelo crespo, assumir a minha textura não foi apenas estética, mas um ato que envolve mais! Foi entender minha ancestralidade, me olhar de outra forma, saber quem realmente sou e tomar noção do espaço da mulher negra na sociedade.

Ah, o espaço! Estamos na base da pirâmide social. Mulher negra é vista como um corpo para uso: bumbum grande, sabe sambar, rebolar e tem bom desempenho sexual. Para sair mas não para casar. Para se divertir mas não apresentar aos pais. Porque o que minha família vai pensar não é mesmo?

As concepções de família feliz sempre nos foram apresentadas com pessoas brancas. Comercial de Natal, cereal matinal, suco em pó, papel higiênico, brinquedo ou mesmo remédios para gripe. O tempo todo famílias brancas. Com isso, como fazer com que a sociedade considere a mulher negra bonita sendo que não é mostrada como referência? “Ah, mas é o meu gosto…” Gosto é construído socialmente e historicamente. A representatividade entra neste momento: quanto mais pessoas negras na televisão, nas revistas, exemplificando uma família COMUM, mais isso se torna normal aos nossos olhos, MENOS choque a sociedade leva, MENOS barulho existirá ao ver uma negra na capa da revista. Vocês me entendem que comemoramos uma capa estampada por mulher negra? O quão surreal é isso? Em um país onde mais de 50% da população é negra o ideal de beleza é branco.

O gosto da massa foi construído. Homem branco e mulher branca são as pessoas que representam o ideal de “perfeição”. Quero ascender socialmente? Vou procurar namorar um branco para ser validada e endossada. Caso contrário não escutarão uma palavra do que digo; na verdade nem me olharão.

Representar, mostrar naquele momento uma fatia da sociedade, demonstrar a forma que ela é composta, por meio de amostragem exibir como o Brasil é… Acho que isso não acontece!

Se o gosto é construído, se o ideal de beleza sempre foi pessoas brancas é óbvio que o padrão capilar pode ser qualquer um, menos os fios crespos. Um cabelo tido como sujo, mal arrumado, armado e com a sensação de que precisamos domar. Na verdade, ao alisar, tirar o volume estamos HIGIENIZANDO nossa aparência muitas vezes sem perceber, nossa característica negróide para se TENTAR se adequar ao padrão estabelecido e tido como única verdade. Higienizar, tornar apresentável e o mais limpo possível para não agredir os olhos treinados apenas para gostar do liso.

Por isso que ao observar cabelos crespos as pessoas se espantam, acham “exótico”, diferente e até mesmo de outro mundo. Por isso as perguntas mais descabíveis surgem como se eu não tivesse cabelo na cabeça, mas um adereço qualquer que impacta demais a sociedade ao ser exibido nas ruas.

AINDA BEM QUE SOMOS DIFERENTES! Não, cabelo crespo não tem nada de anormal ou curioso. Não, ão precisa colocar a mão e invadir o espaço alheio com a sua “curiosidade” construída com base na nossa sociedade racista. Não, não acredite que a empresa pedir para uma pessoa “arrumar” o cabelo quando ele for crespo é normal e faz parte das normas da mesma. O normal é cada um viver de acordo com as suas características de nascença, com seus traços herdados, com suas expressões “de si mesmo”. O normal e olharmos para o lado e vermos outra pessoa e não um cabelo ou a cor da pele.

Escrever tais palavras parece obviedade. Mas ou batemos nesta tecla ou nada muda. Eu vejo, eu sinto na minha pele negra e no meu cabelo crespo.

Beijos
Maraisa

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