Café com leite? | Rita Lima

Mah / 25 nov,2017 /ETC

“Você não pode falar sobre cabelo crespo…. Você é branca!”

Foi com esse tiro que um dia, em meio a um treinamento de trabalho, me vi tendo que explicar algo que até mesmo para mim era inexplicável. Meu cabelo é crespo, sempre foi.
Passei por toda a via sacra de sofrer com os penteados na infância, a zoeira sobre meu cabelo “bombril”, a fase de tentar alisar a qualquer custo (e inclua nesse custo aquela pasta fedorenta que queimava o couro cabeludo), enfim… Toda essa história que a maioria sabe.


Então… Como EU não poderia falar do meu cabelo apenas por causa da cor da minha pele? Eu nunca tinha pensado nisso…. Até aquele momento.
EU SOU MISCIGENADA! Ponto. Eu sou resultado de uma mistura doida que, não obstante, acontece o tempo todo nesse país. Por que o espanto? Minha pele é morena, escura, “negra de pele clara”, chame como quiser… MENOS de branca. Não, eu não sou branca! Eu sou café-com-leite! rs

Filha de nordestina da pele preta e de um cara de pele branca e cabelo crespo que mal conheço. Adivinha qual foi o sangue que resistiu com força e luta para me criar? BINGO! Mama África, a minha mãe foi mãe solteira…
Mas antes que eu nascesse e a separação do meu pai se desse em definitivo, meu irmão já hávia nascido há um tempão… E mamãe sempre contou histórias, com sorriso no rosto, sobre como desbancava as pessoas que pensavam que ela era a babá daquele bebê do “cabelo escorrido”, em um banho de sol no parquinho do condomínio onde moravam. O cabelo escorrido veio DELA. Mas a cor da pele…. Hum…. Tão diferente… Só pode ser a babá! Muitas vezes depois, ela acostumou com a “brincadeira” e diversificou como pôde, com graça e bom humor, as respostas que dava.

Quando cheguei, já em “berço de ouro” e sem a presença paterna, as coisas foram um pouco diferentes. Dessa vez, ela tinha que trabalhar para sustentar a situação… Então pouca gente nos via em companhia uma da outra. Mas eu era vista em companhia da minha avó, que foi quem me criou. Com a minha avó as coisas eram diferentes; ninguém nunca questionava nada, nem ela mesma! “Não sou negra… sou seis-da-tarde pra baixo. Minha pele é de índia!”. Assim ela dizia… assim criou minha mãe.
Sempre estranhei essa afirmação de ambas, mas isso parecia confortá-las e até mesmo fortificá-las para qualquer situação.

NEGAR O ÓBVIO! Quantos anos elas e tantos da mesma época passaram negando a si, apenas para desviar de insinuações que persistem até hoje? Será que isso custou algo para suas identidades? Será que isso um dia causou algum sofrimento? Sinceramente, não sei! Elas escolheram suas próprias maneiras de lidar com quem eram… E eu também fiz minha escolha.


OLHA BEM PRA MIM…. OLHA BEM PRO MEU CABELO… VOCÊ ACHA MESMO QUE EU NÃO TENHO CONDIÇÕES DE FALAR DA NOSSA REALIDADE APENAS POR ESTAR EM OUTRO QUADRADINHO DE PANTONE?
ME DESCULPE; MEU CABELO É CRESPO, MINHA RAIZ É CRESPA, MINHA ORIGEM É NEGRA! NÃO É VOCÊ QUEM ME DEFINE, SOU EU QUEM CONHEÇO A MINHA HISTÓRIA, EU SOU FRUTO DA MISTURA MAIS AUTÊNTICA DESSE PAÍS. EU TAMBÉM SOU NEGRA.

Rita Lima
@rituxalima

Postado em ETC

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Nome *