Precisamos ocupar todos os espaços | Dani Mattos

Mah / 24 nov,2017 /ETC

Quando a Maraisa me pediu para escrever esse texto, minha primeira reação foi de alegria: que honra poder ser referência para os meus. Por outro lado, gelei: há muito tempo não escrevo nada. Bom, entre um sentimento e outro, prefiro ter a coragem de enfrentar o frio na barriga e compartilhar pensamentos que há tempos me incomodam.

Esse foi um ano reflexivo para mim no que diz respeito à minha atuação política enquanto mulher negra. No começo do ano, decidi colocar de lado uma postura ativa no movimento e nas discussões políticas e pensar mais na minha carreira e vida acadêmica, ambas em espaços totalmente brancos, elitizados e com pessoas desprovidas de repertório de classe, raça e gênero.

Esse não foi um movimento fácil para mim, pois algo sempre me incomodava. Eu incessantemente me cobrava por não estar promovendo discussões de grande alcance ou relevância para as pessoas.

Felizmente, as coisas começaram a fazer um pouco mais de sentido para mim quando assisti ‘Dear White People’, uma série preta da Netlflix (se você ainda não assistiu, assista!). De todas as personagens da série, não pude deixar de me identificar com o personagem Reggie. Ele sempre estava preocupado em estar na linha de frente de todas as manifestações e discussões, deixando de lado sua vida pessoal, acadêmica e até mesmo sua saúde mental.

Não me lembro o momento exato e nem a personagem que disse isso, mas uma fala de uma das personagens dirigida a Reggie fez todo o sentido para mim e foi o que melhor extraí da série. Era algo como: tudo bem nos preocuparmos mais conosco do que com a luta ativa contra o racismo.

Na verdade, cuidar da nossa autoestima e saúde mental é também travar uma luta contra o racismo.

Tudo bem olharmos mais para a nossa subjetividade, sonhos e anseios enquanto indivíduos. Tudo bem não nos preocuparmos tanto em sermos os melhores e excelentes nos espaços não tidos como nossos. Tipo aquele verso de um rap do Emicida: dez vezes melhor pra ser visto como igual. To cheio.

O que eu quero dizer é que hoje eu entendo que só pelo fato de sobreviver em ambientes ‘não tidos como meu’ já é em si um ato político.

Nós, pessoas negras, especialmente mulheres negras, precisamos ampliar nossas visões e ir em busca de todas as esferas que são de nosso interesse. Sair dos nossos guetos e bolhas para ocupar todos os espaços higienizados socialmente, institucionalmente racistas e tornar esses espaços nossos.

Portanto, pessoa negra que me lê nesse instante, essa é a minha mensagem: seja qual for o momento de vida que você está passando agora, seja qual for sua preocupação no momento, saiba que nenhum grande ato contra o racismo é maior do que o ato de se manter vivo neste país estruturalmente racista.
Cuide de sua autoestima.
Cuide de você.

Dani Mattos
@danimattosx

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